Foi incontestável o sucesso no Brasil do filme O EGÍPCIO (The
Egyptian, 1954) dirigido por Michael Curtiz (1886-1962) com base no best seller publicado em 1945, de
autoria do escritor finlandês Mika Waltari (1908-1979). Este sucesso todo por
aqui (nas salas cariocas, lançado no Cine Palácio) deveu-se em grande parte ao
enredo nada fidedigno do romance original e a opulência da produção, que levou
muito ao gosto do público da época. Sem dúvida, constituiu um bom divertimento
e, provavelmente, possa render até hoje algumas emoções. Mas desaponta aos leitores
que conhecem profundamente o trabalho de Waltari e o livro original. Nos Estados Unidos, mesmo com todo o esplendor do CinemaScope em seus primeiros dias de vida, a obra de Curtiz não
obteve o sucesso esperado.
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Mika Waltari, escritor, autor de O EGÍPCIO, publicado em 1945. |
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Capa de exemplar editado no Brasil, pertencente ao editor do espaço. |
Para
quem leu o romance, a fita de Curtiz não comunica ao espectador o mesmo impacto
emocional que o livro oferece ante aos dramas e vicissitudes do personagem
principal da trama, o médico egípcio Sinuhe.
É claro que O EGÍPCIO como obra cinematográfica demonstra a boa
eficiência técnica do cineasta Michael Curtiz - um veterano que já contava com
mais de 30 anos na indústria de Hollywood – além do esbanjamento de recursos
materiais capazes de encher os olhos dos assistentes de direção. Porém, tal fausto de requintes não esconde a
falta de inspiração artística com que, de um modo ou de outro, obscureceu o
notório cineasta de Casablanca (1942) e As
Aventuras de Robin Hood (1938), resultando em O EGÍPCIO uma obra de ritmo
instável. De fato, há momentos bastante apreciáveis, mas em outras ocasiões, o
filme fica a beira da monotonia invencível. Em seus 140 minutos de
projeção, O EGÍPCIO torna-se um filme, no mínimo, assistível pela curiosidade
da direção e do elenco.
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O diretor Michael Curtiz |
A
TRAMA
No
Reinado do Faraó Akhnaton (Michael Wilding, 1912-1979), no Egito 13 séculos
a.C, os adeptos do politeísmo lutam contra o monoteísmo incipiente. O próprio
faraó acredita num único e verdadeiro Deus, assim como Sinuhe (Edmund Purdom,
1924-2009), seu médico, e ambos contrariam os conceitos dos sacerdotes. Sinuhe
é urgentemente chamado para atender Akhnaton, que sofre de epilepsia (a doença sagrada do Antigo Egito). No meio
destes acontecimentos, o médico se envolve com uma cortesã da Babilônia, Nefer
(Bella Darvi, 1928-1971), cuja relação o faz cair em desgraça perante o Faraó.
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O ator inglês Michael Wilding no papel do Faraó Akhnaton. |
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O médico Sinuhe (Edmund Purdom) e a cortesã Nefer (Bella Darvi) |
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O Faraó Akhnaton recebe seu comandante, Horemheb (Victor Mature) e seu médico Sinuhe (Edmund Purdom) |
Obrigado
a abandonar o Egito junto com seu criado Kaptha (Peter Ustinov, 1921-2004),
anos depois retorna a sua terra natal, agora um importante e rico médico
cirurgião. Volta para sua antiga namorada, Merit (Jean Simmons, 1929-2010), que
será morta por suas convicções religiosas. Sinuhe, abandonado no Nilo ao nascer
e ignorando ser filho do antigo Faraó, luta para impor o monoteísmo. Mas os
conflitos se intensificam. Após a morte de Akhnaton, este é substituído no
trono por Horemreb (Victor Mature,
1913-1999), um oficial de sua guarda, acompanhado pela própria irmã do faraó,
Baketamon (Gene Tierney, 1920-1991). Sinuhe se porá contra os novos regentes,
ocasionando assim o seu exílio.
DIFERENÇAS
ENTRE O FILME E O LIVRO
A adaptação cinematográfica do livro O EGÍPCIO para as telas
talvez fosse o resultado dessa falta de impacto tão bem expresso no romance
original, afinal, não é nada fácil adaptar um volumoso livro com mais de 500
páginas. Para tal, a trama teria que sofrer cortes incisivos para dar a
película o tempo necessário ao cronograma sugerido pela produção. Seja como
for, O EGIPCIO de Michael Curtiz é um filme pitoresco, esplendoroso, e pleno do
fascinante clima de decadência e exotismo da civilização ancestral egípcia. Orçada
em cinco milhões de dólares, esta superprodução de Darryl F. Zanuck (1902–1979)
foi adaptada por Philip Dunne (1908–1992) e Casey Robinson (1903–1979).
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Baketamon (Gene Tierney), irmã do Faraó, e Horemheb (Victor Mature), comandante das tropas egípcias. |
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Kaphta (Peter Ustinov), auxiliar de Sinuhe |
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Nefer (Bella Darvi) é uma cortesã da Babilônia que trará a desgraça para Sinuhe |
Mas vale destacar alguns pontos a se diferenciar do filme e
do livro de Mika Waltari, a começar pelo perfil do personagem central, o
egípcio Sinuhe. No filme, Sinuhe demonstra uma ingenuidade fora do comum quando
se trata de Nefer, a cortesã com quem ele se relaciona e que o desgraçou
perante sua família e Akhnaton, fazendo perder seus bens e sua dignidade. Anos
depois, ela tem uma doença, e depois de gastar fortuna com outros médicos sem
resultados, ela recorre a Sinuhe, oferecendo a ele apenas o colar valioso que
havia dado e que o médico ganhara do Faraó. Ao invés de pegar o colar de volta
e faze-la pagar pelo tratamento, Sinuhe a perdoa e resolve trata-la
gratuitamente. No livro, o médico vinga-se cruelmente de Nefer.
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Merit (Jean Simmons), o verdadeiro amor de Sinuhe... |
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que ajudará o médico a fugir do Egito. |
Outro ponto que o filme de Curtiz não aborda com precisão e
que é importante como pano de fundo para a trama são as guerras religiosas dos
adeptos do monoteísmo e politeísmo no Antigo Egito, na trama encarada com similaridade a
perseguição aos cristãos. Ao longo da trama, é apresentado uma “Cruz Copta”
como o símbolo do deus dos monoteístas e que a personagem de Jean Simmons,
Merit, usa como expressão de fé. Em realidade, a “Cruz Copta” era desconhecida
até o terceiro século da Era Cristã.
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A Rainha Nefertiti (Anitra Stevens), o Faraó Akhnaton (Michael Wilding), sua irmã a Princesa Baketamon (Gene Tierney) e o Comandante dos Exércitos Horemheb (Victor Mature) |
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A mãe de Akhnaton, Taia (Judith Evelyn) e sua filha Baketamon (Gene Tierney) |
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Horemheb (Victor Mature) comanda o ataque contra os adeptos do monoteísmo, tendo Merit como uma de suas principais vítimas |
Num
diálogo realizado entre Akhnaton e Sinuhe, o faraó moribundo ressalva da
importância do Deus único, do perdão e do amor pelo próximo, bem coerente com o
Cristianismo, mas não com o pensamento monoteísta dos egípcios de 13 séculos
a.C. O perfil de Akhnaton proposto pelo livro foge profundamente do perfil
apresentado por Michael Wilding, que parece dar ao personagem um tom de santidade cristã, muito incoerente com o Egito Antigo.
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Bella Darvi como Nefer |
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Gene Tierney é a princesa Baketamon, que breve... |
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reinará o Egito com o novo Faraó, Horemheb (Victor Mature) |
O verdadeiro amor de Sinuhe no filme é Merit, mas no romance
original ele tem três envolvimentos amorosos: Merit, Nefer, e Minea, uma virgem
votada para os deuses e pronta para ser sacrificada na Ilha de Creta, mas que o
médico acaba salvando-lhe a vida. Outro grande erro crasso da produção
cinematográfica é quando o Sinuhe volta a sua pátria-mãe, e para obter o perdão
do Faraó, ele dá a Horemheb, general dos exércitos, uma espada de ferro feita
pelos hititas, provando que esta civilização tem uma tecnologia militar
superior a dos egípcios. No entanto, o ferro já era conhecido por este povo na
época de Akhnaton. No livro de Waltari, Sinuhe após sua partida do Egito,
infiltra-se em novas terras estrangeiras e em diversas aventuras, fazendo amizade com um poderoso monarca.
O
ELENCO
O EGÍPCIO foi um dos primeiros espetáculos feitos em
CinemaScope. Para o papel de Sinuhe
estava escalado Marlon Brando, que de início ficou interessado pelo personagem.
Para a parte de Nefer, Marilyn Monroe estava escalada, mas na última hora o
produtor e chefão da 20th Century Fox, Darryl Zanuck, tirou-a do papel e deu à
polonesa Bella Darvi, uma atriz inexperiente que sequer dominava o
inglês. Brando fez uma audiência com a novata atriz a mando de Zanuck, que
deixava bem claro que Darvi era sua nova protegida. Mesmo com os atropelos do
inglês e do forte sotaque polonês, Darvi ganhou o papel de Nefer, para
desagrado de Brando que se retirou das filmagens. Às pressas, recrutaram o
jovem Edmund Purdom para o papel de Sinuhe.
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Jean Simmons bate papo com Edmund Purdom no set de filmagem |
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Victor Mature como Horemheb. De um filho de fabricantes de queijo à Comandante dos Exércitos Imperiais. |
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Mature e Jean Simmons descontraídos numa pausa para filmagens. |
Porém,
Purdom foi escolhido não por seu grande talento ou fama (ao longo da carreira,
foi um ator tão problemático que até mesmo sua homenagem no famoso “Calçadão da
Fama” de Hollywood foi removida, direcionando seus trabalhos na Europa), mas
por ser o único ator da Fox que cabia perfeitamente no caro figurino feito
inicialmente para Brando. Na realidade, o cast
de O EGÍPCIO pode ser tida como notável, embora, numa apreciação geral, todos
se conduzem satisfatoriamente.
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Edmund Purdom, em papel reservado para Marlon Brando |
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Peter Ustinov, com Purdom e Jean Simmons. Sob um prisma analítico, Ustinov foi a melhor interpretação do filme |
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Gene Tierney não convence como uma princesa egípcia. |
Sob o prisma analítico, a melhor interpretação foi sem dúvida
a de Peter Ustinov como Kaptah, o criado de Sinuhe, oferecendo ao personagem
uma atuação bem humorada. Gene Tierney não convence em nenhum momento como uma
princesa Egípcia, irmã do Faraó. Victor Mature, sempre Victor Mature, com sua
boa estampa e carisma. Jean Simmons, mesmo uma ótima atriz, parece viver com
indiferença sua Merit. Michael Wilding, então marido de Elizabeth Taylor, não
impressiona como o Faraó Akhnaton. Purdom como Sinuhe tem pouco brilho, mas uma
atuação correta. Bella Darvi, a mais sofrível das atuações. Atriz de carreira breve
em Hollywood aventurou-se mais tarde em filmes europeus de gostos duvidosos.
Levando uma vida desregrada e viciada em jogos e cassinos, acabou cometendo
suicídio a 11 de setembro de 1971, ao ligar o gás de cozinha e por a cabeça
dentro do forno.
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Bella Darvi e o diretor Michael Curtiz |
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Bella Darvi e o produtor Darryl F. Zanuck |
Ainda no elenco, despontam nomes como John Carradine
(1906-1988), Henry Daniell (1894-1963), Judith Evelyn (1913–1967), Carl Benton
Reid (1893–1973), Michael Ansara (1922-2013), Tommy Rettig (1941–1996), Mike Mazurki (1907-1990), e Leo
Gordon (1922-2000). Destaque para o espetacular score musical de Alfred Newman (1900-1970) e Bernard Herrmann
(1911-1975). Fotografia de Leon Shamroy (1901-1974).
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O filme em cartaz nas salas cariocas em 1955 |
O EGÍPCIO
(The Egyptian)
Ano de Produção: 1954
País: Estados Unidos
Direção: Michael Curtiz
Gênero: Épico
Produção: Darryl F. Zanuck, em produção e
distribuição para 20th Century Fox.
Roteiro: Philip Dunne e Casey Robinson, com base
no livro de Mika Waltari.
Fotografia: Leon Shamroy (em cores)
Música: Alfred Newman e Bernard Herrmann
Metragem: 140 minutos
O ELENCO
Jean Simmons – Merit
Victor Mature – Horemheb
Gene Tierney – Baketamon
Michael Wilding – Faraó Akhnaton
Bella Darvi – Nefer
Peter Ustinov – Kaphta
Edmund Purdom – Sinuhe, o egípcio.
Judith Evelyn – Taia
Henry Daniell – Mekere
John Carradine – Ladrão de Túmulos
Carl Benton Reid – Senmut
Tommy Rettig – Thoth
Anitra Stevens - Rainha Nefertiti
Leo Gordon – Soldado do
Faraó
Mike Mazurki – Guardião da Casa dos Mortos
Michael Ansara – Comandante Hitita
Ian MacDonald – Capitão Sírio
PAULO TELLES
Produção e Pesquisa
As Maiores Trilhas Sonoras da Sétima Arte, e em todos os tempos! Só no
REPRISES NAS QUINTAS FEIRAS (22 HORAS) E SÁBADO (17 HORAS)
OLá, Paulo. Também sou fã deste filme. Um grande diretor estrangeiro em Hollywood (assim como tantos outros, Rouben Mamoulian, Billy Wilder, Douglas Sirk). As lindas Gene "Laura" Tierney e Jean Simmons. E para mim o sempre carismático Victor Mature, que muitos achavam canastrão. Duvido que tenha sido, pois até o grande John Ford o escalou em grande papel para "My Darling Clementine". Eu comecei a ler o livro de Waltari, mas acabei interrompendo.Planejo voltar a ler.
ResponderExcluirOlá Valdemir, um prazer revê-lo. O filme como disse é um espetáculo, mas não passa disso. Foge completamente do livro de Waltari, mas ainda assim, vale mesmo pela presença do elenco e do grande diretor Michael Curtiz. Recomendo que volte a ler o romance, pois é fantástico. Grande abraço!
Excluir_ Uma riqueza cultural, por aqui !
ResponderExcluirFaz o possível, obrigado.
ExcluirOlá. Ao contrário de você, não li o livro, mas não duvido das diferenças apontadas, o que é comum em adaptações. Porém, o filme tem seus méritos. O de maior destaque, para mim, são os diálogos. Primorosos.
ResponderExcluirOlá Tiago!
ExcluirCertamente o filme de Michael Curtiz tem seus méritos de fato, a começar pelo próprio diretor (Casablanca), grande referência entre os cineastas, e a grande composição de Bernard Herrmann e Alfred Newman. Filmes não são obrigados a serem fidedignos com as obras literárias, mas sempre vale ligeiras comparações apenas como curiosidade.
Abraços.