Cineasta visionário considerado um exemplo de
profissionalismo e perfeccionismo, Cecil B DeMille (1881-1959) foi não somente um
dos pioneiros do cinema americano, mas um dos primeiros profissionais a
promover a Sétima Arte como forma de entretenimento, através de grandes
espetáculos cinematográficos de cunho religioso, onde muitas vezes, também
poderia haver uma leve pitada de erotismo profano, mas sem ultrapassar os
limites. DeMille tinha ciência dos escândalos hollywoodianos, e como se não
bastasse, ele próprio não admitia este tipo de comportamento com seus atores e membros
de equipe. Isto tudo fez com que o cineasta filmasse dramas religiosos e
admitir que gostasse de fazê-los: “A
Bíblia sempre foi um Best-Seller ao longo dos séculos”. – dizia o cineasta – “Por
que iria eu desperdiçar dois mil anos de publicidade gratuita?”- DeMille
não estava blefando quando escreveu isso em suas memórias.
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O Jovem Cecil B. DeMille. |
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O REI DOS REIS, de Cecil B. DeMille, 1926. |
Mas ao mesmo tempo em que o próprio cineasta gostasse de filmar histórias da Bíblia e que exigisse que seus atores se comportassem condizentes com seus papéis, podemos dizer que DeMille descobriu como a fé, além de remover montanhas, também pôde produzir o milagre da multiplicação de renda nas bilheterias. Quando realizou O Rei dos Reis (The King Of Kings), em 1927, DeMille impôs nos sets de filmagem um clima de retiro religioso, obrigando toda equipe a assistir as missas celebradas todas as manhãs, e num requinte de veneração, fez questão de filmar a crucificação de Cristo em plena noite de natal. O efeito, na época, chegou a comover, e The King Of Kings é até hoje um dos mais importantes trabalhos da iconografia cristã.
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O diretor Cecil B. DeMille (1881-1959) |
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O cineasta DeMille, supervisionando Victor Mature e Olive Deering, nas filmagens de SANSÃO E DALILA (1949) |
DeMille sobreviveu com a transição do cinema mudo
para o cinema sonoro, e com grande êxito. Mas esperou dezessete anos (desde O
Sinal da Cruz/The Sign Of The Cross, 1932) para produzir mais um
superespetáculo épico-religioso, agora com toda a tecnologia a sua disposição
do jeito que queria, abusando dos efeitos especiais e da fotografia em cores.
SANSÃO E DALILA (Samson and Delilah, 1949) foi o antepenúltimo filme do diretor
a seguir a tradição demilleana do
superespetáculo bíblico (três milhões de dólares em orçamento, 600 extras), e
juntamente com Quo Vadis (de Mervyn LeRoy, 1951), da Metro, e Davi e Betsabá
(David and Bathsheba, de Henry King, 1951) da Fox, trouxe o gênero épico de
volta a Hollywood no pós-Guerra.
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DeMille supervisionando a cena em que Sansão (Victor Mature) combate sozinho os filisteus |
No final dos anos de 1940, DeMille queria filmar
algo que dizia ser “uma das maiores
histórias de amor da História e da Literatura, que é também um comovente drama
de fé: a história de Sansão e Dalila”. Parece que outros executivos
demonstraram ceticismo quanto à geração pós-guerra, supostamente mais
sofisticada, em querer ver um filme bíblico. Então, o cineasta mandou um
desenhista da equipe fazer o croqui de um cartaz com um “atleta alto e robusto e uma jovem esguia, atraente e encantadora
olhando para ele com ar ao mesmo tempo sedutor e friamente calculista”.
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Victor Mature é Sansão, juiz dos hebreus, conhecido por sua extraordinária força física. Entretanto... |
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...não resiste aos encantos de uma bela filisteia chamada Dalila (Hedy Lamarr). |
Numa reunião com executivos da Paramount, segundo
contou em suas memórias, DeMille mostrou o desenho e disse: “Senhores, isto é Sansão e Dalila”. Todos
ficaram impressionados. O diretor contratou como o protagonista Victor Mature
(1913-1999). Foi o último nome que o cineasta cogitou para interpretar Sansão,
pois queria o mais talentoso e atlético Burt Lancaster, mas este recusou o
papel. Em seguida, DeMille pensou em Steve Reeves, que acabara ganhando
recentemente o concurso de Mr. América,
mas a Paramount o achou jovem demais e sem experiência alguma de atuação. Para
viver Dalila, o diretor chegou a pensar em Lana Turner, mas a parte coube como
uma luva para a austríaca Hedy Lamarr (1914-2000), sendo, provavelmente, o
papel mais famoso da atriz no cinema.
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Hedy Lamarr como a sensual e traiçoeira Dalila. O papel mais popular da erudita atriz austríaca. |
Nas
bilheterias, a Paramount, através de SANSÃO E DALILA, arrecadou onze milhões e
meio de dólares – uma fortuna para a época. E na distribuição dos prêmios da
Academia de Hollywood, em 1950, o filme conquistou os Oscars de melhor
cenografia em cores e melhor vestuário em cores (Edith Head, 1897-1981). Ao
lado de O Maior Espetáculo da Terra
(1952) e Os Dez Mandamentos (1956),
SANSÃO E DALILA despontou como um dos trabalhos mais populares da fase sonora
da extensa carreira de Cecil B. DeMille, que realizou entre 1913 e 1956 setenta
filmes. Embora com toda a popularidade e angariação de prêmios conquistados
pela Academia, não havia quem fizesse críticas ao filme por seu exagero no
Technicolor ou mesmo pela atuação muitas vezes caricata de Victor Mature como o
herói. Após seu lançamento oficial em 1949 (no Brasil, o filme chegou em 1951),
SANSÃO E DALILA teve relançamentos e reprises pelo mundo nas grandes salas de
cinema, e também pela televisão, como um dos cardápios principais da Semana Santa ou Natal. Justamente pelas
reprises ao longo dos últimos cinquenta anos, que críticos divergem entre si
quanta as qualidades de sua produção. DeMille era de extremo perfeccionismo, e
isso pode ter atrapalhado (ou não) na confecção de sua obra ao ultrapassar os
limites do espetáculo. Seria isso verdade?
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Sansão se enamora de Semandar (Angela Lansbury), irmã de Dalila. |
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Dalila se apaixona pelo herói hebreu, e uma oferta de paz é oferecida pelo Saran de Gaza (George Sanders), rei dos filisteus. |
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Rejeitada por Sansão, Dalila (Hedy Lamarr) une-se ao Saran de Gaza (George Sanders) para capturar o líder hebreu. |
Em 1949, o processo em cores era ainda algo muito
inovador para as plateias. Filmes coloridos já existiam desde os primórdios da
Sétima Arte (ainda pintadas à mão), e obras clássicas como E O Vento Levou (1939) e As
Aventuras de Robin Hood (1938) de Michael Curtiz receberam tratamento em
Technicolor. Assim como em Sansão e
Dalila, se vistas hoje por um espectador moderno mais exigente, este muito
provavelmente não vai entender as razões que levaram um cineasta que fez seu
nome na cultura cinematográfica realizar uma obra que beira, segundo alguns críticos maldosos, a um desfile
carnavalesco, indo atingir a meta do ridículo. No entanto, tais críticas são
injustas. O cineasta tinha seu estilo e foi um dos muito poucos diretores que
sabia dirigir cenas de multidão, que se preocupava desde elaboração do script,
dos figurinos, e da fotografia. DeMille introduziu um espetáculo de proporções
realmente monumentais ao exagerar nas cores, mas isto não quer dizer que caísse
no estrambólico, pois sua produção Sansão e Dalila é a reminiscência de uma era
de glamour para o cinema hollywoodiano, e não somente: é um registro indelével
de um tempo quando o cinema não era apenas comercial ou espetacular, mas era a
arte somada à diversão. Para DeMille, o espetáculo vinha em primeiro lugar, mas
sua extensa e respeitosa filmografia é prova cabal que o cineasta soube
introduzir juntos a magia, o espetáculo, e o artístico ao mesmo tempo.
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Angela Lansbury como Semandar |
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O jovem Russ Tamblyn, aos quinze anos, como Saul. |
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George Reeves, o futuro "Super-Homem" da TV, numa ponta como um mensageiro ferido. |
Baseado em conhecido episódio bíblico do Velho
Testamento (Juízes 14:6; 15:14; 16:23), o cineasta trata com sua habitual
espetaculosidade e uma ligeireza de aventura de histórias em quadrinhos, o
relato com 128 minutos de projeção, abrigando a saga do famoso juiz dos hebreus
Sansão (Victor Mature), conhecido por sua força descomunal, cujo segredo estava
no cumprimento de seus cabelos. Ao mesmo tempo em que serve a Deus para
defender seu povo dos inimigos filisteus, ele acaba se apaixonando por uma
jovem filisteia, Dalila (Hedy Lamarr). Mas Dalila acaba traindo Sansão. O resto
da trama, a humanidade inteira conhece ou ouve falar. O que poucos sabem é que
diversas sequencias de SANSÃO E DALILA hoje constam das antologias do cinema
épico - como a luta do herói contra um leão (aqui, Victor Mature foi
substituído por um dublê, Mel Koontz, 1910-1992), o embate de Sansão contra os
filisteus (Mature novamente substituído por um dublê, Ed Hinton, 1919-1958), e
a destruição do templo do deus filisteu Dragon, controlado seguramente por um
esquadrão de dinamites e outros efeitos especiais.
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Dalila desarma o herói, descobrindo o segredo de sua força. |
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A fúria de Sansão |
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Arrependida, Dalila visita Sansão no calabouço. |
SANSÃO E DALILA tem grandes nomes no elenco, como
George Sanders (1906-1972) como o Saran de Gaza, líder dos filisteus que em
certas ocasiões é capaz de demonstrar humanidade para com o inimigo Sansão;
Henry Wilcoxon (1905-1984), ator da trupe demilliana, no papel do Príncipe
Ahtur; Angela Lansbury, a Dama do Cinema e uma lenda viva da Sétima Arte, como
Semadar; Russ Tamblyn, outro sobrevivente da obra, aos 15 anos como o menino
Saul (creditado como Russell Tamblyn); e ainda Fay Holden (1894-1973), William
Farnum (1876-1953), Moroni Olsen (1889-1954), Olive Deering (1918-1986), Julia
Faye (1892-1966), Mike Marzurki
(1907-1990), Tom Tyler (1903-1954), e George Reeves (1914-1959), o
futuro Super-Homem da TV, como um mensageiro filisteu ferido.
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Dalila leva Sansão até o templo de Dragon, sustentado por colunas. |
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O último ato do herói dos hebreus. |
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Victor Young, o compositor do clássico SANSÃO E DALILA (1949). |
A Lux Radio
Theatre, popular programa de rádio nos Estados Unidos dirigido e
apresentado por Cecil B. DeMille, onde transmitiam em versão radiofônica
adaptações de grandes clássicos do cinema, transmitiu também uma adaptação de
60 minutos de Sansão e Dalila, numa segunda-feira, dia 19 de novembro de 1951,
com Hedy Lamarr e Victor Mature reprisando seus papéis como haviam feito nas
telas. O Imortal Soundtrack de Victor Young (1899-1956) de fundo exuberante é
considerado uma das mais marcantes trilhas musicais para o cinema épico, em seu
hino à Canção de Dalila.
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Divulgação do filme nos jornais cariocas nas décadas de 1950 e 60. |
O cineasta Billy Wilder (1906-2002) também incumbiu-se de homenagear
e eternizar SANSÃO E DALILA e seu próprio diretor DeMille no clássico Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd,
1950), em que Gloria Swanson (Norma Desmond) é vista visitando o set do filme e
dialogando com Cecil. Nos Estados Unidos, Sansão e Dalila foi lançado na semana
de Natal, em 21 de dezembro de 1949. No Brasil, chegou as grandes salas em
1951. Em 1984, a obra de DeMille teria um remake feito para a TV, dirigido por Lee Philips (1927-1999), com Anthony Hamilton (1952-1995) como Sansão, Belinda Bauer como Dalila, Max Von Sydow como o Saran, Maria Schell (1925-2005) como Deborah - a mãe de Sansão, e Victor Mature (o Sansão do eterno clássico) como Manoah, o pai do herói.
Ficha tecnicA
SANSAO E
DALILA
(Samson
and Delilah)
País
– Estados Unidos
Ano:
1949
Gênero:
Épico Bíblico
Direção:
Cecil B. DeMille
Produção:
Cecil B DeMille, para a Paramount Pictures.
Roteiro:
Fredric M. Frank, Jesse Lasky Jr.
Música:
Victor Young.
Fotografia:
George Barnes, Dewey Wrigley, em Cores.
Figurino: Edith Head, Gile Steele, Dorothy Jeakins, e Eloise
Jensson.
Metragem:
128 minutos.
ELENCO
Victor
Mature - Sansão
Hedy
Lamarr - Dalila
George
Sanders - Saran de Gaza
Angela
Lansbury - Semadar, irmã de Dalila
Henry Wilcoxon - Príncipe Ahtur
Olive Deering - Miriam
Fay Holden - Hazel
Russ Tamblyn
- Saul
Julia Faye - Hisham
William Farnum - Tubal
Lane
Chandler – Teresh
George
Reeves – Mensageiro filisteu ferido
Moroni Olsen - Targil
William Davis - Garmiskar
Victor
Varconi - Senhor de Ashdod
John
Parrish - Senhor de Gath
Fritz
Leiber - Senhor Sharif
Frank
Wilcox - Senhor de Ekron
Russell
Hicks - Senhor de Ashkelon
Boyd
Davis - Sacerdote de Dagon
Mike
Mazurki - Líder dos soldados filisteus
Pedro
de Cordoba - Bar Simon
Crauford
Kent - Astrólogo da Corte
Cecil
B. DeMille - Narrador
Paulo
Telles
Produção
e Pesquisa
As Maiores Trilhas Sonoras da Sétima Arte, e em todos os tempos!
Você somente encontra no
CINE VINTAGE..
Todos os domingos, às 22 horas.
SINTONIZE A WEB RÁDIO VINTAGE:
REPRISE DO PROGRAMA NAS
QUINTAS FEIRAS (22 horas)
SÁBADOS (17 HORAS)
Parabéns pela pesquisa. Lá por volta de 1976, tinha eu 9 anos. Fui assistir a uma das reprises de "Sansão em Dalina" no cinema de minha cidade. Era mais fácil ver reprises do que lançamentos. Naquela época, os filmes demoravam até três anos para serem lançados aqui no Brasil. No cinema fui impedido de entrar devido à idade. Era "erótico" demais. Hoje entendo quando Groucho Marx disse que foi o primeiro filme que ele viu em que o mocinho tinha mais peitos que a mocinha ...
ResponderExcluirOlá Edson! Groucho sabia bem o que dizia, rs.
ExcluirSim, a verdade que eram inúmeras as reprises mais do que os lançamentos, que as vezes demoravam até um pouco mais de três anos. Por isso que filmes como "Sansão e Dalila", "Ben-Hur", "E O Vento Levou", "Os Dez Mandamentos" (1956) eram recheados nas reprises, sobretudo antes do advento da TV e do vídeo cassete, que foi também um dos motivos da diminuição das salas de exibição e com isso acabar com as reprises na década 1980. Obrigado pelo comentário e feliz ano de 2018. Abraço do editor.