O ANO DE
2020 – Faltam apenas seis anos para chegarmos lá, e no atual panorama geral,
estamos presenciando um giro de mudanças radicais, graças a internet cuja
informação se torna mais rápida e precisa, e a acessibilidade de recursos que
parecem tornar a vida do ser humano mais prática e confortável. Mas não para todos.
Quando em
1973, Richard Fleischer (1916-2006), o cineasta de Vinte Mil Léguas Submarinas (1954) e Estranha Compulsão (1959) realizou NO MUNDO DE 2020 (Soylent Green), a ideia de futuro promovida pela
ficção-científica não estava destinada apenas a espaçonaves ou seres
alienígenas em galáxias distantes vindos para atacar a Terra, mas com a chegada
dos anos de 1970, a ficção científica dava um tratamento mais reflexivo, pois
seria hora de pensar nas guerras nucleares e no futuro da Humanidade. Isto era
bastante pano para a manga de muitos produtores, que viam nas guerras armamentistas
o perigo de todo o planeta, dando inspirações para muitos escritores e
roteiristas.
Charlton Heston, que já foi A Última Esperança da Terra (de Boris Sagal, 1971), representa o derradeiro vislumbre de boa consciência. Tanto na fita de Sagal como em O Planeta dos Macacos (de Franklin J. Schaffner, 1968) – que aliás breve a sequencia do reboot estará nos cinemas – Heston estava só, num mundo dizimado pela guerra atômica e tentando arduamente conservar a espécie humana numa civilização de símios ou mutantes. Os perigos da guerra nuclear e da mutação biológica acabaram sendo temáticas em desuso, sendo substituídos por outra solene advertência da ficção-científica: a hipótese de que a explosão demográfica e a poluição venham a saturar a beleza e os recursos naturais do planeta e a humanidade passe a vegetar em guetos urbanos, numa sociedade de plutocratas e escravos.
NO MUNDO DE 2020 faz esta premonição ecológica e
Heston tem nova oportunidade de guerrear estoicamente contra a extinção da raça
humana, o que ele faz com a mesma têmpera bíblica de Moisés e o titânico rictus facial Ben-Hur. Seu personagem, o
detetive Thorn, é a rigor um herói de moral duvidosa e comportamento ambíguo. Investigando
o assassinato de William R. Simonson (Joseph Cotten, 1905-1994), diretor da
Soylent Corporation, responsável pela produção de alimento sintético em tabletes
para os 40 milhões de habitantes de Nova York do ano 2022, Thorn age com
petulância e o rigor ético dos melhores detetives da literatura policial, uma
versão futurológica de Sam Spade ou Philip Marlowe.
Neste transe
tão apocalíptico, este policial do futuro acaba por descobrir, horrorizado, que
ante a carência de recursos de flora e fauna submarina, a Soylent continua
alimentando seus consumidores com os últimos elementos de vida orgânica existentes
na natureza poluída: a carne ainda fresca dos cadáveres humanos. Thorn desobedece
a ordens superiores, rebela-se contra a engrenagem policial corrompida e
sacrifica a própria vida em nome desse protesto desesperador.
Em
compensação, é com idêntica sinceridade que Thorn desfruta de suas
prerrogativas de agente do estado policial. Aproveita as imunidades legais para
roubar comida dos ricos, repartindo com o amigo Sol (Edward G. Robinson,
1893-1972, em sua última atuação no cinema) em um nostálgico banquete de
verduras, carnes, e frutas naturais – esse tesouro ecológico que o velho Sol
revê com lágrimas nos olhos e degusta com requintes de apetite.
Sol é o
personagem mais curioso desta ficção apocalíptica, parábola sobre os funestos
destinos do homem. Depois de recordar para Thorn como eram verdes os vales de
sua infância, ele se entrega à doce agonia proporcionada por uma organização
significativamente chamada de “Lar” e dedicada a prestar aos anciãos, aleijados
e desiludidos a mais feliz viagem para um mundo melhor. Diante de uma tela de
cinerama, Sol exala o último suspiro, assistindo embevecido as imagens dos bons
tempos em que os cavalos comiam a relva das planícies verdejantes, as flores vicejavam
multicores, e a água corria fresca pelos regatos.
Embora tais
evocações emocionem Thorn, ele nem parece perceber o papel que executa, como
policial das forças de choque, na repressão aos pobres humanos. Nem se preocupa
com as insinuações afetivas de Shirl (Leigh Taylor-Young), uma “garota alugada”
que simboliza na sua resignada apatia, a radical conversão em objeto da mulher
do futuro.
O verdadeiro
arqui-inimigo deste policial do futuro é Tab Fielding (Chuck Connors, 1921-1992),
ex motorista de Simonson, que Thorn descobre que é seu assassino. Mas Tab não
age só e o agente sabe que por trás há uma terrível conspiração que pode muito
bem fazê-lo calar em suas investigações. Com este estranho protagonista e uma
narrativa lançada entre as saídas convencionais de aventura policial e os
adornos da ficção-científica, esta fita de Richard Fleischer encantou o júri do
Festival de Ficção-Científica de Avorias, que o laureou com o Grande Prêmio, de
melhor filme, de 1974, chegando a convencer as plateias sobre os soturnos horizontes
antecipados sem exagero pelos arautos da ecologia.
NO
MUNDO DE 2020
(Soylent
Green)
·
Direção:
Richard Fleischer
Ano: 1973
• Roteiro: Stanley R. Greenberg (roteiro), Harry Harrison (romance)
• Gênero: Ficção-Científica/Policial
• Origem: Estados Unidos
• Duração: 97 minutos
· ESTÚDIO: METRO GOLDWYN MAYER
Ano: 1973
• Roteiro: Stanley R. Greenberg (roteiro), Harry Harrison (romance)
• Gênero: Ficção-Científica/Policial
• Origem: Estados Unidos
• Duração: 97 minutos
· ESTÚDIO: METRO GOLDWYN MAYER
ELENCO
• Charlton
Heston - Detetive Thorn
• Leigh
Taylor-Young- Shirl
• Joseph
Cotten - William R. Simonson
• Chuck
Connors -Tab Fielding
• Brock
Peters - Chefe Hatcher
• Paula Kelly
– Martha
• Edward G.
Robinson – Sol Roth
·
Stephen Young – Gilbert
·
Mike Henry – Kulozik
·
Roy Jenson- Donovan
·
Whit Bissel- Governador Santini
Produção
e Pesquisa:
Paulo Telles