Por Paulo Telles
Continuando o artigo referente ao
cinema religioso cristão, onde abordaremos sobre os filmes com
temáticas bíblicas e religiosas, além de dramas de cunho religioso, onde não
necessariamente sejam mensagens do Evangelho, mas podendo se tratar de maneira
soberana a humanidade dos seus personagens dentro do pano da fé.
A PRIMEIRA PARTE DESTA MATÉRIA
EM: http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/2014/04/o-cinema-religioso-cristao-parte-1.html
A SEGUNDA PARTE DESTA MATÉRIA
http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/2014/04/o-cinema-religioso-cristao-parte-2.html
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IV-JOHN FORD E A PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS NOS
TEMPOS MODERNOS.
John Ford
(1895-1973) realizou uma de suas obras mais culturais (talvez a maior delas),
para um cineasta que visava em não ser um intelectual, mas sim um rico contador
de histórias, o que ele fez com tamanha maestria em toda sua carreira. Mas Domínio de Bárbaros (The Fugitive), de
1947, infelizmente hoje é uma das fitas
pouco lembradas do diretor, que ficou marcado como o “Mestre dos Westerns”, e
principalmente, pela sua parceria com John Wayne, seu astro principal em
inúmeros de seus clássicos, e seu compadre.
A história,
baseada em livro de Graham Greene (1904-1991), baseada em fatos verídicos, se
passa no México, no Estado de Tabasco. O governo é violentamente contra a
religião católica; a religião foi proibida, diversos padres foram mortos ou
obrigados a abandonar o sacerdócio. A obra conta a história de um padre (Henry
Fonda, 1905-1982), sem nenhuma identidade, alcunhado de “Fugitivo.” Nesse
cenário hostil, este padre tenta fugir em direção aos Estados Unidos, contando
com a ajuda de uma índia (Dolores Del Rio, 1904-1982) e de um paroquiano fiel.
Contudo, as
coisas não dão certo para o religioso, que é perseguido e capturado, e como
muitos que deram seu sangue pela fé, ele acaba sendo sacrificado. Os bárbaros
na fita são as autoridades policiais, que caçam até as últimas consequências os
religiosos que querem abraçar a fé em Cristo. Pedro Armendáriz (1912-1963) é o
tenente da polícia mexicana; J. Carrol Naish (1896–1973) é o informante da
polícia; Leo Carrilo (1881-1961) é o Chefe de Polícia; e Ward Bond (1903-1960)
ainda desponta no elenco de tão fascinante obra fordiana.
Com
deslumbrante fotografia expressionista de Gabriel Figueroa (1907-1997), Domínio de Bárbaros é uma obra de
impressionante beleza, lirismo e religiosidade, e John Ford costumava dizer que
era um de seus trabalhos favoritos.
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V-A
SANTIDADE NO CINEMA INGLÊS.
Em 1964 e 1966, o cinema inglês levou as telas duas biografias de santos católicos
ingleses: São Thomas Becket (1118-1170), e São Thomas More (1478-1535). Os
filmes, eram, respectivamente, Becket, o
Favorito do Rei (1964) e O Homem Que
Não Vendeu Sua Alma (1966).
O primeiro,
dirigido pelo inglês Peter Glenville (1913–1996), também ator, conta sobre a
vida de São Thomas Becket (Richard Burton, 1925-1984), mártir, que foi
assassinado por seguidores do Rei Henrique II (Peter O’ Toole, 1932-2013) na
Catedral de Cantuária. Tudo começa quando o monarca da Inglaterra vive em
choque com a Igreja. Quando o Arcebispo de Canterbury (Felix Aylmer, 1889-1979)
morre, ele tem uma ideia genial, que consiste em não nomear nenhum religioso
para o cargo e sim Thomas Becket, um grande amigo de muitas farras e copos, que
o apoiaria e ficaria contra a Igreja.
Henrique II
desejava ser senhor absoluto dos seus domínios, tanto da Igreja como do Estado,
e conseguiu encontrar um precedente nas tradições do reino para retirar
privilégios especiais ao clero inglês, que ele considerava como empecilhos à
sua autoridade.
Enquanto
chanceler, Becket cobrou um imposto de proteção do reino contra invasores, uma
tradição medieval cobrada de todos os proprietários de terras, incluindo
igrejas e bispados, o que lhe criou dificuldades e ressentimentos do clero
inglês. Becket aumentou ainda mais a sua imagem de homem secular ao tornar-se
um cortesão bem sucedido e extravagante, e um alegre companheiro dos prazeres
do rei. O jovem Thomas era dedicado aos interesses do seu soberano, de um modo
tão firme apesar de diplomático, que quase ninguém duvidava da sua lealdade à
coroa inglesa.
Em 1162,
Henrique II recompensou Becket fazendo-o arcebispo de Cantuária. A escolha teria
sido olhada com desconfiança pelo clero inglês, e Thomas só conseguiu o cargo
vários meses após a morte do anterior arcebispo, Teobaldo. O rei tencionava
aumentar a sua influência ditando as ações do seu fiel e nomeado vassalo, e
diminuir a independência e a influência da Igreja na Inglaterra.
Mas o caráter
de Becket pareceu modificar-se imediatamente. Passou a viver uma vida de
simplicidade e pobreza e, apesar de anteriormente ter ajudado Henrique a
diminuir o poder dos bispos, passou a defender ativamente os direitos da
Igreja. Thomas, repentinamente, encara a nova função com seriedade, se opondo
mais ao rei que seus predecessores, e isto faz com que os dois outrora amigos
entrem em choque. Becket se torna mais popular que o Rei, o que não demora em
que Henrique arme uma conspiração contra o agora seu inimigo.
A maioria
dos historiadores parece concordar que o rei não pretendia realmente assassinar
Thomas Becket, apesar das suas duras palavras. Seja como for, quatro dos
cavaleiros do monarca (Reginald Fitzurse, Hugh de Moreville, William de Traci e
Richard le Breton) partiram para a Cantuária. Em 29 de Dezembro de 1170,
entraram na catedral e assassinaram Becket, subindo alguns nos degraus do
altar, quando os monges cantavam as vésperas do ano vindouro.
Depois do
assassinato, descobriu-se que Becket usava um cilício (neste contexto uma
camisa de tecido grosso e desconfortável) por baixo das suas vestes de
arcebispo. Em pouco tempo, fiéis por toda a Europa começaram a venerar Thomas
Becket como mártir, e em 1173, cerca de três anos após a sua morte, foi
canonizado pelo papa Alexandre III na Igreja de São Pedro, em Segni
.
O Homem Que Não Vendeu Sua Alma foi, em 1966, a nova incursão do
cineasta Fred Zinnemann (1907-1997) pelo terreno da consciência atormentada
através da fé (como retratado pelo diretor em Uma Cruz a Beira do Abismo 8 anos antes), com base na famosa peça
de Robert Bold (1924-1995) que foi estrondoso sucesso nos palcos londrinos em
1960, e que também abordou o script.
A trama versa sobre as relações de Sir Thomas More (Paul Scofield, 1922-2008) e
o Rei Henrique VIII (Robert Shaw, 1927-1978). More, um dos mais respeitados
católicos da Europa de então, em 1528, na sua recusa em aceitar o casamento do
monarca com Ana Bolena (Vanessa Redgrave), sofre todo tipo de pressão para
renegar seus princípios, defendida até a morte, por decapitação.
A sua cabeça
foi exposta na ponte de Londres durante um mês, foi posteriormente recolhida
por sua filha, Margaret Roper. A execução de Thomas More na Torre de Londres,
no dia 6 de julho de 1535 "antes das nove horas", ordenada por
Henrique VIII, foi considerada uma das mais graves e injustas sentenças
aplicadas pelo Estado contra um homem de honra, consequência de uma atitude
despótica e de vingança pessoal de um monarca. Devido à sua retidão e exemplo
de vida cristã, foi reconhecido como mártir, declarado beato em 29 de dezembro
de 1886 por decreto do Papa Leão XIII e canonizado, conjuntamente com São John
Fisher a 19 de maio de 1935 pelo Papa Pio XI. O seu dia festivo é 22 de Junho.
Um homem
para todas as épocas, conforme palavras do próprio cineasta, que foi um diretor para
todos os filmes. O roteiro se preocupa
em não ter palavras recitadas, mas sim em mostrar o que os personagens sentem e
o que pensam. Zinnemann ainda evitou que o esplendor adquirisse precedência
sobre o drama. Isto não impede que, junto à angustia de More, transmitida com
absoluta limpidez graças as cenas plasticamente rebuscadas, graças a excelente
fotografia de Ted Moore (1914-1987), pois as imagens do Tâmisa, onde a fita
fora rodada em especial não fogem da memória do espectador.
Tudo neste
drama religioso sobre a vida de um santo inglês funciona em perfeita sintonia,
graças à bem aventurada escolha do elenco, além dos mencionados Shaw e
Scofield, temos Wendy Hiler (1912-2003) no papel de Alice, esposa de More;
Orson Welles (1915-1985) como o Cardeal Wolsey; Leo Mckern (1922-2002); John
Hurt como Richard Rich, o falso acusador de Thomas More; Nigel Davenport
(1928-2013) como o Duque de Norfolk; A fascinante Vanessa Redgrave, já
apontada, como Ana Bolena; e Susannah York (1939–2011) como Margareth, a filha
de Thomas More. O Homem
Que Não Vendeu Sua Alma surpreendeu ante a entusiástica receptividade,
ganhando os principais prêmios nos Estados Unidos e na Inglaterra, incluindo
Oscar de melhor filme de 1966 e melhor diretor para Fred Zinnemann, assegurando
lucro polpudo nas bilheterias mundiais.
†
VI-A
FACE DO REDENTOR NA VISÃO DE CINCO CINEASTAS
São
incontáveis as montagens cinematográficas sobre a vida e paixão de Jesus
Cristo. Sabemos que desde os primórdios da Sétima Arte, os pioneiros investiram
em diversas adaptações dos Evangelhos. Acredita-se que mais de duas mil versões
foram realizadas sobre a vida do homem que dividiu a História antes e depois
del. Logo, seria impossível enumerar todas as películas feitas sobre a vida do
Redentor. Contudo, enumeraremos aqui a passagem dos evangelhos sob a ótica de
cinco grandes diretores: Julien Duvivier, Nicholas Ray, Pier Paolo Pasolini,
George Stevens, e Franco Zeffirelli.
As Sagradas
Escrituras inspiraram tanto respeito que o cinema durante muitos anos não
ousava mostrar sequer o rosto de Cristo. A presença de Jesus era anunciada por gestos de sua mão, ou
mostrado de costas para o público, sua voz fora de cena, ou ainda efeitos
avassaladores, tais como imensos raios solares. Afinal, uma imagem ausente da
figura redentora poderia causar impacto mais poderoso pelo próprio mistério que
encerra. Contudo, nem todos os cineastas concordavam com este ponto de vista, e
ousaram confeccionar a imagem de Jesus aos moldes dos pintores da renascença, ou mesmo, pelo imaginário popular cristão.
Muito embora
a figura pictórica do personagem não seja a verdadeira, foi a imaginação dos
pintores que vieram a influenciar muitos dos cineastas que ousaram filmar a
vida de Jesus. Entretanto, para corporificar Jesus nas telas de cinema, o
cinema adotou, na maior parte dos casos, o conceito europocêntrico: Jesus seria
alto ou ruivo, louro e de olhos azuis.
Estreado no
Brasil com o subtítulo de O Grande Drama
da Humanidade, e baseado no romance O
Mártir do Gólgota, de Enrique Perez Escrich (1829- 1897), Golghota foi produzido na França em
1935 e dirigido por Julien Duvivier (1896-1967). Além de obter aplausos de grandes críticos da época,
foi rotulado pelo jornal francês Le Salut
Public, como “a melhor construção da
Antiguidade até agora conseguida”. Esta obra de Duvivier foi reprisada nos
cinemas do Rio de janeiro na década de 1950, sob o título original do romance
de Escrich.
A fita
comprova a qualidade do intérprete de Cristo, Robert Le Vigan (1900-1972),
sério, veemente, distanciado da linha do Cristo apostólico romano. Um Cristo
quase hierárquico, cujo roteiro tem um diálogo fiel ao espírito do Evangelho,
dito por astros como Harry Baur (1880-1943) como Herodes Antipas; Jean Gabin
(1904-1976, foto acima), como Pilatos; Edwige Feuillère (1907–1998), como Prócula, esposa de
Pilatos; e Lucas Gridoux (1896–1952), como Judas.
Robert Le
Vigan, o intérprete de Cristo, após a conclusão desta magnífica obra de
Duvivier (uma das melhores sobre a vida de Jesus), se tornou popular e bastante
requisitado por muitos diretores franceses, mas quando a França foi invadida
pelos alemães durante a II Guerra, tornou-se um membro radical do “Parti Populiste Français", um direitista
partido pró-fascista, e não escondeu seu apoio ao antissemitismo, além de
colaborar com as autoridades nazistas. Mais tarde foi preso e julgado, e mesmo tempos depois em liberdade condicional, sua carreira já tinha sido destruída e
seus bens confiscados. Morreu pobre, esquecido, e louco na Argentina, em 1972.
Em 1961,
Nicholas Ray (1911-1979) juntamente com o produtor Samuel Bronston
(1908-1994) realizou uma das obras mais importantes da vida de Jesus Cristo, um
tributo à iconografia cristã, estabelecida desde que Lumiere realizou sua La Passion em 1897: Rei dos Reis.
A obra sacra de
Ray, a penúltima em sua primorosa filmografia, foi rodada na Espanha,
acarretando divisão de opiniões, tanto por parte da crítica, do público, e de
líderes religiosos cristãos. Não contente de apenas se inspirar nas pesquisas
dos maiores estudiosos sobre o tema, Ray, juntamente com o produtor Bronston,
teve uma audiência com o Papa João XXIII (1881-1963), ao qual pediram sugestões
para a coordenação e distribuição de cenas. Ray escalou seu colaborador e amigo de anos, o competente e
ganhador do Oscar pelo roteiro de A Lança
Partida, Philip Yordan (1913-2004), para confeccionar o script, que enfileira os principais
episódios do Evangelho em seus 168 minutos de projeção, segundo uma postura
cênica, hierática, e comovedora.
Dificilmente,
algum maquiador faria o mesmo com o rosto de Jeffrey Hunter (1925-1969), o
intérprete de Cristo. A apolínea beleza do ator de olhos azuis e um triste
destino (Hunter morreu aos 43 anos, em 1969, ao cair de uma escada em sua casa). Com a escolha de Hunter, decerto o mais belo
Cristo idealizado nas telas, e o roteiro inteligente de Yordan, que ajustou com
perfeição a imagem de Jesus Cristo ao seu verdadeiro ambiente, respeitando acontecimentos
históricos daqueles tempos agitados, Rei
dos Reis se tornou um espetáculo tradicional e um dos preferidos em reprises da Semana Santa pela TV por assinatura hoje. A fita,
motivada pelo script de Yordan,
alivia até mesmo a culpabilidade pela morte de Jesus pelos judeus, dando a
entender que foi uma conspiração do Império Romano, que durante três anos vinha
investigando os passos do Nazareno e de seus discípulos.
Jeffrey
Hunter atua como Jesus com inigualável carisma a altura do personagem. Sereno,
sublime, humano, mas, ao mesmo tempo, colocado acima dos mortais. Ele declarou
a uma revista americana, em março de 1962, um ano depois do lançamento do
filme, a respeito de seu desempenho como Cristo:
Não compreendi
totalmente minha responsabilidade até achar-me nas vestes de Jesus, subindo a
montanha para a cena do sermão das bem-aventuranças. Para minha surpresa, muitos
habitantes do vilarejo caíram de joelhos enquanto eu passava. Eles sabiam muito
bem que eu era um mero ator, porém sentiram que, de alguma forma, eu era uma
representação viva de uma figura que lhes era sagrada desde a infância. Eu não
sabia o que fazer... foi aí que me conscientizei do que aceitara representar.
Senti minha responsabilidade crescer
à medida que o filme prosseguia, e sinto-a ainda mesmo que o filme tenha
terminado. Não creio, entretanto, que sou maior conhecedor de Cristo do que
qualquer outra pessoa. Minha educação religiosa foi como a de qualquer criança
americana. Conhecia a Bíblia, é claro, a história de Jesus era sagrada, mas
nunca havia pensado muito sobre ele como Pessoa, de carne e sangue, como um
Homem que viveu neste mundo como nós vivemos, entre pessoas e em um tempo não
diferente dos atuais. Ao estudar o script, e enquanto prosseguia minha
pesquisa, comecei a compreender pela primeira vez o significado de Sua vida e o
que os Seus ensinamentos trouxeram ao mundo.
No elenco,
grande maioria de atores não muito notórios, mas que dão grande suporte à trama
bíblica: a irlandesa Siobhán McKenna (1923-1986) como Maria; o ator alemão
muito conceituado na Europa Gerard Tichy (1920-1992) como José; Hurd Hatfield (1917-1998) como Pôncio Pilatos; Rip Torn é Judas; Rita Gam é Herodiades; Carmen Sevilla como Maria
Madalena; Antonio Mayans como o jovem discípulo João; Ron Randell (1918-2005) é o Centurião Lucios; Royal Dano (1922-1994) é Simão Pedro; Viveca Lindfors (1920-1995) é Prócula, esposa de Pilatos; Harry Guardino
(1925-1995) como Barrabás; Brigid Bazlen (1944-1989) é Salomé; e Robert Ryan (1909-1973) o mais famoso do cast cujo nome era sinônimo de talento,
é João Batista.
O Climax Maximus do filme é o Sermão da
Montanha, onde foi utilizado 7.000 figurantes, mais do que na cena da
crucificação, possivelmente, uma grande falha da produção, entretanto, não
deixa de ser um espetáculo religioso dos mais belos vistos na Sétima Arte. Na
descida da montanha, a equipe de operadores teve de construir cerca de 60
metros de trilhos ao longo das encostas. Na trilha sonora, a música marcante de
Miklos Rozsa (1907-1995).
Rei dos Reis é um monumento esplendoroso, incapaz
de arranhar o fervor das grandes plateias a santificada imagem de Cristo. Mesmo
que, na época de seu lançamento, críticos arredios ao cinema de Nicholas Ray -
um dos mais competentes cineastas do Século XX que foi um caloroso defensor da
juventude desajustada- tivessem maldosamente crismado o filme como I Was a Teenage Jesus (Eu fui um Jesus adolescente), comparando
talvez Jeffrey Hunter ao rebelde sem
causa de James Dean, em Juventude
Transviada (1955), outra obra do diretor. A narração, em off, é de Orson Welles, que não foi creditado.
Mas nem
todas as visões de Cristo no cinema ofereceram uma iconografia santificada aos
moldes do imaginário cristão. Em 1964, Pier Paolo Pasolini (1922-1975),
marxista e ateu, lança O Evangelho
Segundo São Mateus, a versão mais polêmica (ao lado de A Última Tentação de Cristo, de 1988, de Martin Scorsese) da vida
de Cristo. Sem a aura de santidade expressa em Rei dos Reis (1961) de Nicholas Ray, A Maior História de Todos os Tempos (1965) de George Stevens, e Jesus de Nazaré (1977) de Franco
Zeffirelli, mas também sem recair no exotismo das óperas rock contidas em Jesus Cristo Superstar e Godspell, a esperança, o Cristo vivido
pelo estudante espanhol Enrique Irazoque é um Messias bárbaro, um agitador das
massas que usa seus sermões em defesa dos oprimidos, com o intuito de transformar
um mundo socialmente injusto. Segundo cineasta, ele encontrou em Irazoqui um rosto belo e fero, humano
e destacado dos Cristos pintados por El Greco. “Eu vim trazer a espada e não a paz”, declarou Pasolini e Mateus em
seu Evangelho.
No entanto,
o leitor poderá perguntar do por que um ateu se interessar em filmar a vida de
Jesus Cristo. Muito simples: a figura de Cristo exercia nele uma fascinação não
religiosa, mas poética e política. E em Cristo ele admirava sua poesia, força,
e carisma. Apenas não aceitava Jesus conforme a Igreja Católica e a teologia,
mas acreditava que a mensagem de Jesus conforme o Evangelho de Mateus era
revolucionária, ao passo que, para o cineasta italiano, Cristo era uma
personalidade corajosa, rebelde, e revolucionária tal qual sua mensagem. Era o
Cristo que ia salvar o povo não das penas do inferno, mas da própria ignorância
do ser humano.
A Igreja e
os fiéis censuraram Pasolini pela falta de doçura do intérprete de Jesus, no
entanto era um Cristo destinado a ser um nativo rebelde à prepotência
colonialista profeta apocalíptico da riqueza ilícita, de açoite em punho
fazendo a reforma agrária para perplexidade e horror dos falsos pregadores e
beatos apegados à propriedade privada, que certamente, não leram a encíclica Populorum Progressio, e vieram a
combater o Concílio Vaticano II, iniciado por João XXIII e só terminado na
gestão de Paulo VI.
Como não
deixara de ser, houve protestos violentos contra o filme, e a extrema direita
jogou ovos podres no Palácio do Festival de Veneza durante seu lançamento, que,
paradoxalmente, acabou ganhando o prêmio do Escritório Católico Internacional
de Cinema, e cuja obra foi dedicada à memória de João XXIII, por Pasolini
considera-lo o papa mais próximo das ideias progressistas do evangelista
Mateus, que procurou mostrar Jesus Cristo para os judeus como o Messias
esperado, o Messias das profecias, enfim, o Messias do povo. O filme foi rodado
em austeros cenários da Calábria e obedece o tom sublimis et humilis do texto bíblico, numa linguagem despojada e
naturalista que a muitos críticos recordou o estilo ascético de Dreyer (A Paixão de Joana D’Arc) e Rossellini (Francisco, arauto de Deus), sublinhando
a longa narrativa de 138 minutos de projeção, e uma partitura musical com temas
de Bach, Mozart, Prokofiev, “negro spiritual” e música sacra congolesa.
Em 1995,
quando o cinema completou 100 anos de existência, esta obra de Pasolini foi
inclusa entre os 100 melhores filmes de acordo com o Vaticano, que elaborou uma
intensa lista, na categoria de Religião, ao lado de obras como A Vida e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
(1905) de Ferdinand Zecca, Nazarin (1959)
de Luis Buñuel, e Ben-Hur (1959) de
William Wyler.
Após o
lançamento de Rei dos Reis, em 1961,
de Nicholas Ray, George Stevens (1904-1975), responsável por clássicos como Gunga Din, Os Brutos Também Amam, e Assim
Caminha a Humanidade- manifestou interesse em filmar a vida de Jesus Cristo
de forma que pudesse ser a versão definitiva. Para isso, o cineasta consumiu seis
anos de produção e fez reunir um grande elenco, com 117 papéis dialogados, com
atores famosos, muitos destes em pequenas pontas.
Stevens se baseou
num romance chamado A Maior História de
Todos os Tempos (The Greatest Storie
Ever Told), de Fulton Oursler (1893–1952), além dos textos do Novo
Testamento, e sua intenção era contar a vida do grande líder da Cristandade com
um elenco All-Star, rodada mesmo nos
Estados Unidos, em locações do Arizona, Utha, Nevada, e em estúdios da MGM em
Culver City- mas que veio a fornecer um panorama ao estilo Cartão Postal, com
narrativa hiper- acadêmica, com conceituação medievo-renascentista.
Narrado de
forma majestosa e clássico rigor estilístico a Vida de Cristo, a obra sacra de
Stevens teve apoio de diversos roteiristas, como o poeta Carl Sandburg
(1878-1967), este foi o penúltimo filme do cineasta, rendendo um espetáculo
grandioso. A Maior História de Todos os
Tempos foi originalmente lançada com 225 minutos de duração (exibida no
Brasil com 10 minutos a menos, a versão hoje a disposição em DVD), mas a
metragem original seria de 260. Em alguns países, foi lançado com 141 minutos,
inclusive na época do Vídeo Home System
(VHS), foi esta a duração lançada no mercado de vídeo.
Destaque
para a beleza pictórica (consultoria a cores do mestre Eliot Elisofon) e o
esplendor lírico e dramático de uma encenação suntuosa. Em especial realce, a
sequência da ressurreição de Lázaro (Michael Tolan, 1925-2011) ao som de Aleluia de Handel, que é um dos grandes
momentos do filme. Elenco vigoroso: Carroll Baker, como Verônica; Richard Conte
(1910-1975), como Barrabás; Jose Ferrer (1912-1992) como Herodes Antipas; Ina Balin (1937-1990) como Martha de Betânia;
Van Heflin (1910-1971) como Bar Armand; Martin Landau, como Caifás; Sal Mineo
(1939-1976); Neremiah Persoff;
Telly
Savalas (1922-1994) que raspou definitivamente o resto de seu cabelo para viver
Pôncio Pilatos; David McCallum como Judas; a carismática e talentosa Dorothy McGuire
(1916–2001), como Maria; Angela Lansbury como Prócula; Claude Rains (1889-1967)
como Herodes o Grande; Sidney Poitier como Simão de Cireneu; Pat Boone como o anjo da Ressurreição; Sal
Mineo (1939-1976) como Uriah;
Charlton
Heston, o ícone do cinema épico bíblico, como João Batista, o maior destaque de
todas as interpretações, embora não supere a atuação de Robert Ryan em Rei dos Reis, realizado quatro anos
antes; John Wayne (1907-1979) numa curta aparição como o soldado que conduz
Cristo até ao Calvário e perante a cruz recita: “este homem era realmente o Filho de Deus”.
E um dos atores favoritos de Bergman, Max Von Sydow, ainda um ator bem ativo e de prestigiado sucesso,
como Jesus. Entretanto, não deu ao personagem um ar caloroso e doce, e não
comoveu. Apesar de um trabalho primoroso por parte de George Stevens, o filme
não teve o retorno tão esperado pelo diretor, prejudicado pela alta metragem e
excesso de personagens, além do desgaste das superproduções bíblicas. A Música
também é outro ponto culminante, uma das últimas composições de Alfred Newman
(1901-1970), o mesmo compositor de A
Canção de Bernadette e O Manto
Sagrado, para o cinema.
Embora uma
requintada produção feita para a TV italiana, Jesus de Nazaré, de 1977, dirigido por Franco Zeffirelli, foi
exibido nas nossas salas de cinema e em grande parte do mundo em
duas partes, totalizando 6 horas de projeção. Na TV brasileira, estreou na Rede Globo em
1981, como minisérie em capítulos. Jesus Cristo volta aqui a sua moda tradicional, mas o
sensível cineasta de Romeu e Julieta
(1968) não satisfeito consultou católicos, protestantes, judeus, e até
islamitas. Filmado na Tunísia, Itália e na Inglaterra, mesmo com toda
reverência excessiva a figura de Jesus, acarretou protestos e o filme acusado
de herético por alguns fanáticos católicos, por apresentar Maria (interpretada
por Olivia Hussey) gemendo as dores do parto.
Com
dramaticidade de uma grande telenovela, José (Yorgo Voyagis) é aconselhado pelo
rabino Yehuda (Cyril Cusack, 1910-1993) a continuar com sua mulher grávida por
obra do Espírito Santo.
A trilha
sonora de Maurice Jarre (1924-2009) é um dos mais marcantes comentários
musicais entre todas as trilhas sonoras em filmes do estilo. Zeffirelli
eliminou a tentação de Jesus pelo demônio no deserto e o Sermão da Montanha na
edição, assim como fizera Pasolini. O inglês Robert Powell, com a fisionomia de
judeu pálido e esquálido, conforme as concepções de Lucas Cranach, El Greco, e
Andréa del Castagno, é um dos grandes intérpretes de Cristo em todos os tempos.
Elenco
All-Star reunindo Anne Bancroft (1931-2005), como Madalena; Ernest Borgnine
(1917-2012), o Bom Centurião, James Farentino (1938-2012), como Simão Pedro;
Rod Steiger (1925-2002), como Pôncio Pilatos; James Mason (1909-1984) como José
de Arimatéia; Sir Laurence Olivier (1907-1989) como Nicodemus; Christopher Plummer
como Herodes Antipas;
Stacy Keach
como Barrabás; Claudia Cardinale, a Mulher Adúltera; Anthony Quinn (1915-2001)
como Caifás; Peter Ustinov (1921-2004) fabuloso como Herodes o Grande; Ian
McShane como Judas (ótima interpretação); e Michael York, como João Batista. Um
elenco de estrelas internacionais contando a trajetória do fundador do
Cristianismo, desde o nascimento até sua ressurreição, com os habituais
requintes deste grande cineasta italiano.
†
VII-OUTROS
FILMES BÍBLICOS- FOCO GERAL
Conforme
vimos até aqui, o cinema explorou das mais variadas formas a religião e a fé em
todas as suas esferas. Como também foi visto a década de 1950 e metade dos anos
de 1960 foram produtivas na confecção de filmes épicos com contos bíblicos.
Hollywood
explorou com constância histórias do Velho Testamento, sempre em concorrência
com outro filme similar, como foi o caso de David e Betsabá, de 1951, que foi uma resposta de Darryl F Zanuck
(1902-1979), chefão da Fox, ao êxito de Sansão
e Dalila, estreado dois anos antes, dirigido por Cecil B DeMille e
produzido pela Paramount. David e
Betsabá, com roteiro de Philip Dunne, conta a história do
Rei Davi (Gregory Peck, 1916-2003), o Leão de Judá, que se apaixona por Betsabá
(Susan Hayward, 1918-1975), mulher de seu comandante, o leal Urias (Kieron
Moore, 1924-2007). Para se livrar deste, o rei o envia a uma batalha suicida.
Após a morte
de Urias, Davi passa a sofrer crises de consciência e se submete a duras
penitências, durante os quais recorda sua antiga fé, e sua luta contra o
gigante Golias quando menino. A paixão proibida quase compele Davi a perder o
trono. Produção que se impôs como dos mais respeitáveis no gênero devido aos
aparatos da produção, dirigido por Henry King (1886-1982) e música de Alfred
Newman.
Em 1953, a
Colúmbia após a produção de Salomé
estreada por Rita Hayworth produziu em baixo orçamento uma aventura bíblica Escravos da Babilônia, dirigida por William Castle (1914-1977), que ficaria mais tarde notório por
seus filmes Trilhers de horror B.
Estrelado por Richard Conte (1914-1975) no papel de um pastor judeu, Nahum, que
no Século V a.C, organiza um exército para combater o tirânico rei da
Babilônia Nabucodonosor (Leslie Bradley,
1907-1974), que conquistou Jerusalém em 597 a.C, e submeteu milhares de judeus
a escravidão. Linda Christian (1923–2011), na época casada com Tyrone Power, é
o interesse romântico de Nahum. Ainda no elenco Michael Ansara (1922-2013) e
Julie Newmar, a futura Mulher Gato da
série de TV Batman (1966-68).
Em 1958,
outra produção baseada no Novo Testamento foi o italiano A Cruz e a Espada, dirigido por Carlo Ludovico Bragaglia
(1894-1998) e estrelado pela norte americana Yvonne De Carlo (1922-2007). A trama se concentra quando Roma, para
investigar os passos do Procurador Poncio Pilatos (Philippe Hersent, 1912–1982),
envia o agente Caio Marcellus (Jorge Mistral, ator que se suicidou em 1972 aos
51 anos de idade). Pelo mesmo navio que viaja Caio em direção a Judéia, viaja
Maria Madalena (De Carlo), irmã de Lázaro (Terence Hill) e concubina de Anan
(Massimo Serato, 1916-1989), que vive protegendo o bando criminoso de
Barrabás. A palavra de Cristo impressiona muito a Maria Madalena e, quando
Cristo ressuscita dos mortos seu irmão Lázaro, resolve seguir Jesus. No elenco
ainda, Rossana Podestá (1934-2013).
No mesmo
ano, outra produção europeia com tema bíblico e histórico: Herodes, o Grande, dirigido por Viktor Tourjansky (1891–1976) e
estrelado por Edmund Purdom (1924-2009) que interpreta Herodes, rei da Judéia,
aceito tal pelos dominadores romanos, que reina despoticamente sobre os judeus,
e também sonha com o domínio do Oriente Médio.
O imperador romano desconfia de Herodes, e este lhe propõe um pacto.
Manda seu filho Aron (Alberto Lupo, 1924–1984) matar a sua esposa, Miriam
(Sylvia Lopez, 1933–1959), caso Herodes não volte deste pacto. As intrigas
palacianas, sobretudo a mãe de Herodes, fazem crer que o rei foi assassinado
pelos romanos. Aron não tem coragem de matar Miriam e foge com ela para o
deserto. Herodes retorna e começam os ciúmes, as represálias e os assassinatos.
Em seus últimos momentos de vida e motivado pela loucura, sob o peso de muitos
crimes e atrocidades cometidas, ele ouve falar do Messias e de um novo rei que
estaria a governar a Judéia.
A História de Ruth, de 1960, outro drama bíblico da Fox que
remete ao Antigo Testamento, rodado pelo mesmo diretor de O Manto Sagrado, Henry Koster (1905-1988) e filmado nos cenários de
Viagem ao Centro da Terra. Ruth (a
israelense Elana Eden, que só realizou mais três trabalhos depois desse, entre
os quais Missão Secreta no Cairo, estrelado
por Audie Murphy) – Ruth, quando criança, fora vendida para servir ao deus
Chemosh dos Moabitas, povo vizinho e inimigo dos judeus.
O israelita
Mahlon (Tom Tryon, 1926-1991), condenado a prisão perpétua por pregar o
monoteísmo, foge com Ruth e, gravemente ferido, casa-se com ela antes de
morrer. Em companhia da sogra, Naomi (Peggy Wood, 1892-1978), Ruth vai aos
campos de Boaz (Stuart Whitman) e Tob (Jeff Morrow, 1907-1993), onde passará a
trabalhar e desperta o interesse dos dois homens. Trilha sonora de Franz Waxman
(1906-1967).
A Lenda de Davi embora seja um filme feito para a TV, de 1960, foi exibido nos nossos cinemas brasileiros (sob o título de Davi e o Rei Saul) e exibido na nossa telinha diversas vezes (a última vez na extinta TV Manchete), e foi rodada
em Israel. O guerreiro Davi, interpretado por Jeff Chandler (1918-1961) em um
de seus últimos trabalhos, vence os palestinos e é aclamado por seu povo,
provocando a inveja do rei Saul (Basil Sydney, 1894-1968). Instigado por um
conselheiro, Doeg (Peter Arne, 1920-1983), e supondo que Davi deseja usurpar o
trono, Saul tenta destruir o guerreiro, mas Davi é auxiliado pelo próprio filho
do monarca, Jonatas (David Knight).
Esther e o Rei foi à incursão do lendário diretor
Raoul Walsh (1887-1980) pelo cinema épico bíblico, em 1960, e rodado na Itália,
onde remete outra passagem dos textos bíblicos. No Século IV a.C, depois de
renegar sua esposa adúltera, o rei Assuero da Pérsia (Richard Egan, 1921-1987),
consente em escolher uma nova esposa: Esther (Joan Collins), incluída à força
entre as candidatas. Ester, cuja origem judia o rei desconhece, logo lhe
oferece sua afeição, tentando ao mesmo tempo libertar o povo judeu e humanizar
o governo de Assuero, afastando os traidores do trono.
Davi e Golias trouxe Orson Welles (1915-1985) numa
produção italiana de 1960, onde viveu o Rei Saul, em uma adaptação da história
do Velho Testamento. Os filisteus declaram guerra aos israelitas. Saul, rei de
Israel, decide ouvir as palavras dos profetas que avisam que seu sucessor será
um jovem pastor chamado Davi (Ivica Pajer, 1934-2006). Após isso, o pastor terá
que enfrentar o inimigo que vem na forma do gigante Golias (Aldo Pedinotti).
Welles também ajudou a dirigir esta fita, junto com Ferdinando Baldi
(1917–2007).
O Velho Testamento, 1963, é um outro exemplar de épico
bíblico a italiana baseado em dois livros apócrifos contidos no Antigo
Testamento, em parte inspirado em textos de Jasão de Cyrene, historiador judeu
helenista que viveu por volta do ano 100 a.C. Descreve a Revolta dos Macabeus,
quando o patriarca Matatias (Carlo Tamberlani, 1899–1980) e seus cinco filhos
conhecidos como os Macabeus expulsaram os pagãos do templo e inspiraram e
restabeleceram a unidade do povo hebreu, dois séculos antes de Cristo. O relato
começa com a invasão de Jerusalém por Apolonius (Jacques Berthier, 1916–2008),
governador enviado pela Síria para destruir a cidade e apoderar-se do templo
sagrado. Após a morte do irmão, Simão Macabeu (Brad Harris) se torna um dos
líderes do povo israelita que enfrenta as tropas inimigas em defesa do templo.
PRODUÇÃO
E PESQUISA: PAULO TELLES