Ao receber o
primeiro roteiro de CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO (Bad day at Black Rock), Spencer Tracy
(1900-1967) recusou-se a fazer o filme. Revisto e modificado, o ator aquiesceu
e disse: “vamos em frente!”.
De acordo
com a biografia do ator, a versão original do roteiro não dizia que o
personagem John J. MacReedy tinha apenas um braço. Os produtores queriam que
Tracy o interpretasse, e para convencê-lo a interpretar, incluíram esta
característica no personagem principal. Os produtores acreditavam que nenhum ator resistiria à tentação
de interpretar um herói deficiente físico.
O roteiro
original previa que John J. MacReedy conseguia acender fósforos com apenas um
braço. Spencer Tracy estava com dificuldades em realizar esta cena e sugeriu ao
diretor John Sturges que seu personagem usasse um isqueiro Zippo, alegando que
todo veterano de guerra conhecia e possuía um. A sequência de abertura com o
trem foi incluída após várias exibições-teste, nas quais o público reagiu mal à
abertura original.
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DORE SCHARY |
Para fechar
o negócio, um executivo da MGM entrou em contato com Spencer Tracy pouco antes das
filmagens, e disse: "Não se preocupe, Sr. Tracy, uma cópia do roteiro foi
enviada para Alan Ladd e ele concordou em fazer o papel". No entanto, numa
sexta feira, três dias antes de iniciar as filmagens, em Lone Pine, no deserto
de Mojave, EUA, Tracy entrou no escritório de Dore Schary (1905-1980), então
chefe dos estúdios da empresa e produtor do filme, e disse: “Dore, tenho más
notícias. Melhor arranjar outro para o papel. Não queria mesmo fazer este filme”. Vale
lembrar que, nesta época, Tracy tinha 54 para 55 anos de idade, e vinha
atravessando um processo de alcoolismo crônico.
Os dois eram
amigos de longa data, e Schary considerou: “Spence, talvez tenha que ser duro
com você, cara. E veja bem: Já dispendemos cerca de 300 mil dólares com o filme.
E se você se recusar a fazê-lo serei obrigado a mover um processo contra você”.
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DORE, dando conselhos aos astros principais, os brilhantes SPENCER TRACY E ROBERT RYAN |
Tracy
olhou-o fixamente e perguntou:
-Vc esta
brincando?
-Não, não
estou – respondeu Schary com veemência.
Tracy voltou
a fita-lo longamente e mandou brasa:
-Você fica
neste escritório com ar refrigerado no maior bem-bom, enquanto estou me matando
de suor naquele inferno que é Lone Pine.
-Mas eu vou
suar com você! -replicou Schary
-Okay! Verei você então em Black Rock na segunda feira.
Os dois se
encontraram lá e teve início então aquele que seria um dos melhores filmes da
safra de 1955, e o último de Spencer Tracy para a Metro-Goldwyn-Mayer após duas
décadas de contrato com o estúdio, e no qual teve a oportunidade de nos brindar
com um de seus mais vibrantes e notáveis desempenhos, e que lhe valeu sua 5ª
indicação para as premiações da Academia. Foi também o último filme que fez sob
a orientação direta de Dore Schary.
Schary havia
substituído Louis B. Mayer na chefia da Metro, cujo os estúdios se localizavam
em Culver City. Em 1953, contudo intrigas de gabinete começaram a minar as
bases do executivo, e em novembro de 1956, Schary foi derrubado do comando.
CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO foi o primeiro filme do estúdio MGM a ser lançado em Cinemascope. A trama se direciona após dois meses do
término da II Guerra Mundial. No vilarejo de Black Rock chega um veterano de guerra, John MacReedy (Spencer Tracy), que tem só um braço. Apesar da sua aparência calma e eremita, e por sua deficiência física, sua presença incomoda cada vez mais os moradores do
local, em parte por ser o primeiro visitante em 4 anos (literalmente o trem
nunca parava ali) e também por ficar cada vez mais claro que todos estão
escondendo algo. Quando ele diz que está procurando Komoko, um japonês, a
tensão aumenta e parece que todos do local obedecem a Reno Smith (Robert Ryan,
1909-1973), um latifundiário e o "dono" de Black Rock.
Mais tarde, MacReedy
descobre que Komoko foi morto por Reno, que era avesso aos japoneses. Alvo de
hostilidades, ameaças e até de uma trama de assassinato, o forasteiro se dá
conta de que Black Rock esconde um grande segredo que vem sendo guardado há
muito tempo
Reno Smith
não esta só e tem seus parceiros de vilania, como o estúpido e boçal Coley
Trimble (Ernest Borgnine, 1917-2012), e Hector David (Lee Marvin, 1924-1987),
além do borra botas Pete Wirth (John Ericson), empregado do único hotel do vilarejo,
e sua irmã Liz Wirth (Anne Francis, 1930-2011), apaixonada por Reno, que não dá a
mínima para ela.
Reno finge
cortesia para com o recém-chegado, mas MacReedy não é bobo. A investida mais direta contra MacReedy parte
por Coley, um brutamontes que tenta de tudo para assustar MacReedy, para que
ele desista de procurar seu amigo japonês, e faz de tudo para persuadi-lo. Até
que chega o momento que, numa lanchonete de Black Rock, quando o veterano de
guerra estava almoçando, Coley mais uma vez provoca-o, como se já não bastasse
antes, tentou pô-lo para fora da estrada enquanto dirigia.
O até
paciente MacReedy engoliu todos os insultos que podia, e numa nas cenas mais
marcantes da fita, o veterano sem um braço aplica alguns golpes de artes marciais
sobre o brutamontes, que achava que poderia vencer o aparentemente indefeso
MacReedy na força física. O ridículo Coley é levado ao chão, ferido, e enviado sob os cuidados de Doc Velie (Walter Brennan, 1894-1974), um médico que não
compactua com os desmandos de Reno e seus comparsas.
Falando em Doc, também tem na cidade um xerife sem pulso de ferro, Tim Horn (Dean Jagger,
1903-1991), cujo posto é apenas um conveniente para que o pequeno vilarejo
afirme a presença de um representante da lei, mas na realidade, Tim, um beberrão,
é tão manipulado por Reno como todo o resto da pequena cidade.
Após a surra
que Coley levou do velho MacReedy, este tenta de todas as maneiras acionar as
forças policiais, mas é impedido pela ditadura de Reno, que intercepta qualquer
meio de comunicação que o veterano de guerra faça, desde os telégrafos,
telefonemas, e até o uso de carros. A muito custo, a verdade vem a tona, graças
a persuasão de Macreedy e de Doc sobre o jovem e inseguro Pete, que revela que Komoko
foi realmente morto por Reno, por este não conseguir se alistar para lutar
contra os japoneses.
Hector, que
assumira o posto de xerife no lugar do fraco Tim por escalação de Reno, é
dominado e posto a nocaute por Doc e MacReedy, e este vai atrás de Reno, um
sujeito sem o menor caráter e escrúpulos, a ponto de assassinar uma de suas
aliadas, a não menos bandida Liz, irmã de Pete, que denuncia a presença de
MacReedy em seu encalço.
Mesmo sem um
braço, o veterano de guerra, sob a mira do rifle de Reno, consegue pegar uma
garrafa vazia e enche-la com uma pequena poção de gasolina que ele consegue
esvaziar do carro, fazendo assim um coquetel molotov contra o inimigo. É noite, e Reno atira em direção de MacReedy, que joga o recipiente
sobre o vilão, que começa a se incendiar e pedir socorro.
Por fim, a
quadrilha toda é dominada e entregue a Tim, encarregado de entregar Reno e os
demais (Coley, Hector e Pete) as autoridades. MacReedy não viera apenas para
encontrar o amigo japonês, mas também entregar a ele uma medalha que o filho
dele, morto em combate, havia ganhado do governo dos Estados Unidos. Com Komoko
morto, para quem entregaria esta honra? Resolveu entregar para Doc e a cidade,
como uma maneira de representar a paz estabelecida em Black Rock, após 24 horas
de um péssimo dia, como diz literalmente o título original do filme.
A fita tem
ingredientes bastante interessantes, com uma mistura de história policial,
detetivesca, suspense noir, mas alguns
elementos do western, muito embora
não seja do gênero (há quem defina que seja, mas são pontos de vista), mas sobretudo um thriller
com ambiente (de fundo social) tendo
como cenário o Oeste do Século XX. A visão de uma América de consciências mortas, numa época em que os Estados Unidos ainda sofria os efeitos do Macarthismo , foi uma das primeiras utilizações criativas do então novo formato de tela Cinemascope.
Ernest
Borgnine e Lee Marvin estão impecáveis em seus papéis de vilões, assim como o
brilhante Robert Ryan como o mais famigerado deles. Spencer Tracy
recebeu mais uma indicação ao Oscar (sua quinta) e o filme também foi indicado
ao prêmio na categoria de melhor roteiro. Cinco dos membros do elenco tiveram
um total de oito Oscars: Spencer Tracy tinha dois, e Walter Brennan teve três.
Lee Marvin, Dean Jagger e Ernest Borgnine tinham uma estatueta cada.
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SET de CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO |
A Excelente
direção de John Sturges (1910-1992) ajudou a garantir a popularidade desta película, que
lhe deu uma indicação ao Oscar de melhor direção por este suspense apreensivo
que também aborda o preconceito racial.
FICHA
TÉCNICA
CONSPIRAÇÃO
DO SILÊNCIO
TÍTULO
ORIGINAL: BAD DAY AT BLACK ROCK
GÊNERO: CRIMINAL/SUSPENSE
TEMPO DE DURAÇÃO: 81 MINUTOS
ANO DE LANÇAMENTO (EUA): 1955
DIREÇÃO: JOHN STURGES
ELENCO
SPENCER
TRACY (JOHN J. MACREEDY)
ROBERT
RYAN (RENO SMITH)
ANNE
FRANCIS (LIZ WIRTH)
DEAN
JAGGER (XERIFE TIM HORN)
WALTER
BRENNAN (DOC T.R. VELIE JR.)
JOHN
ERICSON (PETE WIRTH)
ERNEST
BORGNINE (COLEY TRIMBLE)
LEE
MARVIN (HECTOR DAVID)
RUSSELL
COLLINS (SR. HASTINGS)
WALTER SANDE (SAM)
PRODUÇÃO
E PESQUISA: PAULO TELLES