Desde que estreou como diretor em 1949, com o clássico Amarga Esperança (They Live be Night) o cineasta Nicholas Ray (1911-1979) vinha se
preocupando cada vez mais com a delinquência juvenil nos Estados Unidos. Nessa fita, Ray analisou o assunto tendo como
base um fato real, onde são analisados as reações de um jovem casal (vividos
por Cathy O’ Donnell e Farley Granger). Em O
Crime Não Compensa (Knock on Any Door),
mostra a luta de um advogado (Humphrey Bogart) de origem pobre das periferias que tenta afastar
alguns rapazes da influência de bandidos que são como “ídolos” para esses
jovens.
JUVENTUDE TRANSVIADA (Rebel Without a Cause), fita dirigida por Ray em 1955, numa
demonstrada tensão e gravidade quanto ao problema da juventude, retrata a
trajetória de jovens pertencentes às elites dirigentes dos Estados Unidos.
Formou assim uma espécie de tríptico do que considera as causas desse perigo
que já afligia professores, psicólogos, sociólogos, e educadores na época de
sua realização, isto é, há 62 anos. Um perigo que com o passar das gerações, se
torna cada vez mais atual, seja nos Estados Unidos, no Brasil, ou em qualquer
parte do mundo.
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O cineasta Nicholas Ray e o ator James Dean, passando o roteiro para JUVENTUDE TRANSVIADA (1955) |
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James Dean e Nicholas Ray |
Nicholas Ray parece deixar bem claro que a “cura” para a
doença da delinquência juvenil não esta nas “taras constitucionais” como o
diretor bem definiu, mas com uma melhor distribuição social, e principalmente,
a responsabilidade dos pais. Em Juventude
Transviada, a culpabilidade dos pais é explicada por terem suas vidas
voltadas para seus compromissos sociais e absorvida com trabalhos, deixando os
filhos entregues ao próprio destino, e o que é mais grave, sem lhes dar ao
menos uma demonstração de carinho, afeto, e a atenção de que tanto necessita a
fase da adolescência, mostrando que a delinquência juvenil não é privilégio
exclusivo apenas de pessoas oriundas de classes menos abastadas.
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James Dean, o mito que se tornou uma lenda |
A
obra de Ray, que lhe deu a maior notoriedade de sua carreira como cineasta, foi
estrelada justamente por um mito que se tornou símbolo
da juventude rebelde da década de 1950, e sua mitologia ainda se tornou mais
forte quando veio a morrer num trágico acidente automobilístico, a 30 de
setembro de 1955: James Dean (1931-1955).Junto com Vidas Amargas
(East of Eden), 1954, de Elia Kazan –
e Assim Caminha a Humanidade (Giant),
1956, de George Stevens – JUVENTUDE TRANSVIADA forma a trilogia de filmes mais
conhecidos, lembrados, e estrelados por este ícone da rebeldia. Antes mesmo de marcar ponto
nestas três fitas, Dean já tinha passado outras experiências como ator. Foi
inicialmente um dos alunos do Actor’s
Studio, a conhecida escola de atores de Nova York, de onde saiu nomes
famosos, como Marlon Brando. Em seguida, participou de produções menos faladas,
como os filmes Baionetas Caladas, de
Samuel Fuller, O Marujo foi na Onda,
de Hal Walker, e Sinfonia Prateada,
de Douglas Sirk – todas elas de 1951.
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James Dean, ícone da rebeldia nos anos de 1950. |
Dean ainda apareceu em comerciais feitos para a TV (para
fregueses tão diferentes quanto a Pepsi Cola e o Governo Americano), peças
teatrais, e até para telefilmes, mas foi com Rebell Without a Cause que James Dean se tornou um ícone para a
juventude na primeira metade da década de 1950, trazendo uma das cenas mais
antológicas da história da Sétima Arte : o “pega” de carros próximos a um
desfiladeiro. Foi assim que o precocemente falecido Dean se tornou a imagem do
garoto rebelde, que Elvis Presley (que tanto o idolatrava) tentou imitar, mas
nunca conseguiu.Muito
embora hoje tenha o status de grande clássico do cinema, o filme nunca chegou a
ser unanime entre os críticos. A crítica Pauline Kael (1919-2001) classificou Juventude Transviada no seu famoso
livro, 5001 nights at the movies como
uma “novela”, para em seguida lembrar contrariada que ela teve “mais impacto
nos adolescentes da época do que muitos outros filmes melhores”. Certamente, o
próprio argumento do cineasta Nicholas Ray, retocado pelos escritores Stewart
Stern (1922-2015) e Irving Shulman (1913-1995) não chega a ser um dos mais
primorosos, mas a atuação de James Dean contorna a trama, salvando com
tranquilidade os pontos fracos do filme, e fazendo toda a diferença. A atuação de Dean sempre foi marcante, tendo peso nas
produções de que participou, ao passo que fica difícil imaginar Carl Trask e
Jim Stark, personagens respectivos de Vidas
Amargas e Juventude Transviada
interpretado por um mesmo ator que não seja James Dean. Ele traduzia com perfeição e de maneira
bastante particular os conflitos internos desses personagens, ao mesmo tempo em
que conseguia desenha-los com toda uma riqueza de detalhes e aspectos.
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O Diretor Nicholas Ray e seus jovens astros Natalie Wood e James Dean. |
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O diretor Ray repassando o script para Sal Mineo, Natalie Wood, e James Dean |
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Ray e Dean em momento de intervalo das filmagens. O diretor lamentou muito em não poder mais trabalhar com o ator. |
Já Nick Ray, através de sua obra em parceria com Dean (o
cineasta lamentou não poder trabalhar novamente com o ator, pois Dean estava
escalado para viver Jesse James em Quem
Foi Jesse James, western dirigido por Ray em 1956 – com a morte de Dean o
papel foi para Robert Wagner) ficou entre o reconhecimento e a negação do seu
talento. O culto de sua pessoa data da época do Nouvelle Vague. Foram Godard e Truffaut, a princípio, dois
cineastas a reverencia-lo, usando para tanto respaldo o famoso Chahiers du Cinema. Pouco antes de sua
morte por câncer, em 1979, Ray ainda foi objeto de um documentário dirigido
pelo alemão Wim Wanders, Um Filme para
Nick (Lightning Over Water), onde
é focalizada a agonia de Ray em relação à doença, e suas reflexões sobre a
vida. Em Juventude Transviada,
talvez o maior erro no trabalho de Nicholas Ray seja, provavelmente, se deixar
envolver exageradamente pelos três jovens sofredores (principalmente com Jim
Stark, que Ray considerava seu “alter ego” juvenil), fazendo com que o impacto
da denúncia social se dilua numa torrente de psicologismo duvidoso. No entanto,
este enfoque oferece ao diretor algumas vantagens, como por exemplo, do diretor
poder obter dos intérpretes o máximo de rendimento dramático, e de quebra, um
envolvente acabamento visual, já que é justamente a ação que deriva das emoções
dos personagens.
A
TRAMA
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Jim Stark (Dean), saindo da delegacia acompanhado pelos pais (Jim Backus e Ann Doran) na presença do inspetor Fremick (Edward Platt) |
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Incompreendido, Jim discute muitas vezes com sua mãe... |
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...e seu pai, que deveria ser o pulso forte da família. |
Toda a narrativa transcorre em 24 horas, com poucos cenários, sendo acionada com extrema funcionalidade (raramente Ray aproveitou tão bem o
uso do Cinemascope), sobre a trajetória de três jovens delinquentes. O primeiro
é Jim Stark (Dean), um adolescente complicado, um verdadeiro rebelde sem causa como condiz no título
original da fita. Mas seria sua rebeldia mesmo sem causa? Os pais vivem em
festas condizentes com o status social a que pertencem. Aparentemente, Jim tem
tudo no quesito material – casa, carro, dinheiro, mas mesmo assim ele se sente
solitário e procura esquecer na embriaguez seu pai, Frank (Jim Backus,
1913-1989), que deveria ser seu ídolo e que, no entanto, se revela um ser
pusilânime, quando percebe que é manobrado pela mãe (Ann Doran, 1911-2000).
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Judy (Natalie Wood), outra desajustada que não consegue o amor de seu pai... |
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...e por isso, se envolve em péssimas companhias, com a gangue de Buzz (Corey Allen) |
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Judy (Natalie Wood) chocada com o acidente que matou Buzz, e Jim (Dean) lhe estende a mão.
Com
Judy (Natalie Wood, 1938-1981) as coisas não são diferentes. Ela não consegue
encontrar em casa a compreensão dos seus, principalmente do pai (William
Hopper, 1915-1970), cujos negócios lhe tomam todo o tempo e que só lhe fala para
repreendê-la ou castiga-la, fazendo com que a jovem se perca procurando
divertimentos fáceis.
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Na delegacia, Jim empresta seu paletó para Plato (Sal Mineo), amedrontado e com frio. |
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Plato (Sal Mineo), em busca desesperada por um pai, tem na figura do ator Alan Ladd um modelo paterno. |
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Plato, possivelmente o mais emocionalmente perigoso de todos os transviados. |
Finalmente,
Plato (Sal Mineo, 1939-1976), filho de uma divorciada que anda sempre fora de
casa e que lhe envia dinheiro, sendo entregue aos cuidados de uma empregada. Ele procura desesperadamente um pai (que no imaginário do menino, seria o ator Alan
Ladd, cuja foto ele guarda no armário da escola). Os problemas ligados aos três
jovens são elementos básicos para um estudo extremamente cortante de
transgressões e desvios de conduta moral, onde Nicholas Ray fustiga, de modo
impiedoso, a inconsciência e a negligência dos pais.
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Dean, Mineo, e Natalie: mortes trágicas. |
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O trio perfeito de delinquentes para JUVENTUDE TRANSVIADA (1955) |
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James Dean e Corey Allen |
O que dizer dos três jovens atores principais? James Dean,
admirável no papel principal (muito embora tivesse 23 anos na época, “velho”
para um adolescente), seguido de Natalie Wood na flor de sua juventude (aos 17
anos e perfeita no papel), e Sal Mineo (então com 16), este um jovem ator de qualidades
excepcionais. Reunir um elenco jovem como Dean, Natalie, e Mineo, só veio
ajudar a valorizar mais a obra de Ray, sendo talvez a mais significativa a
utilizar como tema o chamado “conflito de gerações”.
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Jim Stark (Dean) em luta de canivetes com Buzz (Corey Allen) |
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Ray supervisionando Natalie e Dean durante as filmagens |
Entretanto,
apesar das qualidades, Juventude
Transviada apresenta uma grande falta: o malsucedido processo WarnerColor,
que dá um tom estranho a bela fotografia do competente Ernest Haller
(1896-1970), um dos mesmos fotógrafos de E
O Vento Levou (1939). Entretanto, além dos mitos que cercam esta produção,
uma curiosidade se faz pertinente observar: James Dean, Sal Mineo, e Natalie
Wood, tiveram mortes trágicas. Dean morreu de acidente de carro em setembro de
1955. Mineo foi assassinado durante um assalto em 1976. E Natalie Wood morreu
afogada em 1981, morte que ainda se cerca de muito mistério.
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Nick Ray (de costas) dirigindo James Dean para uma das cenas de JUVENTUDE TRANSVIADA (1955) |
JUVENTUDE TRANSVIADA é um filme cuja homogeneidade e nobreza
transcende ao próprio processo cinematográfico, ganhando uma amplitude humana
digna de seu realizador. No Brasil, estreou nos cinemas cariocas, segundo o IMDB, em dezembro de 1955.
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James Dean e Sal Mineo |
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Divulgação do filme por um jornal carioca, em 1º de outubro de 1956. |
FICHA
TÉCNICA
JUVENTUDE
TRANSVIADA
(REBEL WITHOUT
A CAUSE)
ANO DE
PRODUÇÃO: 1955
PAÍS: Estados
Unidos
DIREÇÃO: Nicholas
Ray
PRODUÇÃO: David
Weisbart, em distribuição pela Warner Brothers
ROTEIRO: Stewart
Stern, Irving Shulman (adaptação), baseado em uma história de Nicholas Ray
FOTOGRAFIA:
Ernest Haller, em WarnerColor
MÚSICA: Leonard
Rosenman
METRAGEM:
111 Minutos.
ELENCO
JAMES DEAN – JIM STARK
NATALIE WOOD – JUDY
SAL MINEO – JOHN “PLATO” CRAWFORD
JIM BACKUS – SR. FRANK STARK
ANN DORAN – SRª CAROL STARK
COREY ALLEN – BUZZ GUNDERSON
WILLIAM HOPPER – PAI DE JUDY
ROCHELLE RUDSON – MÃE DE JUDY
DENNIS HOPPER – GOON
EDWARD PLATT – RAY FREMICK
MARIETTA CANTY – CUIDADORA DE PLATO
IAN WOLFE – DR. MINTON
ROBERT FOULK – GENE
JACK SIMMONS – COOKLIE
TOM BERNARD – HARRY
NICK ADAMS – CHICK
PAULO TELLES
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EM TEMPO
IN MEMORIAN
ADAM WEST
(1928-2017)
Ao final da confecção para a matéria sobre o filme Juventude Transviada, o mundo ficou
sabendo na manhã deste último sábado (10 de junho de 2017) do falecimento do
ator ADAM WEST, o famoso Batman da Série de TV (1966-1968). West morreu em sua casa na
Califórnia vítima de leucemia que ele lutava havia poucos meses. Tinha 88 anos de idade.
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O jovem Adam West em publicidade antes de BATMAN |
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West personificando o milionário Bruce Wayne, alter ego de Batman. |
Astro que fez parte de uma geração (principalmente a minha), West também realizou outros trabalhos, seja na TV e no Cinema, mas Batman o imortalizou, tanto que West participou de várias convenções ao longo de quatro décadas sobre seu personagem na TV e participou de inúmeros programas, onde se revestiu de Batman emprestando sua voz nos desenhos dos SUPERAMIGOS e também em OS SIMPSONS.
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West como Batman, ao lado de Burt Ward (Robin) |
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West em um evento de 2014 |
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Adam West em seus últimos anos. |
Recentemente, em 2015, usou sua voz para dublar o Homem Morcego, ao lado do
colega Burt Ward (Robin) e de Julie Newmar (Mulher Gato) no também animado
BATMAN E ROBIN: O RETORNO DA DUPLA DINÂMICA, desenho que restituiu com
perfeição as características da série de 1966 a 1968, onde atualmente estava fazendo um segundo trabalho. Adam era casado com
Marcelle Lear desde 1972. O ator deixa seis filhos (quatro com Marcelle e
outros dois de dois casamentos anteriores), quatro netos e dois bisnetos. Em
2012, recebeu uma homenagem em Hollywood, recebendo uma estrela no Calçadão da
Fama. Na ocasião, o Blog FILMES ANTIGOS CLUB – A NOSTALGIA DO CINEMA, fez uma
matéria, que esta a disposição dos leitores neste link: http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/2012/04/o-bom-e-veterano-batman-nobre-adam-west.html
PAULO TELLES
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Grato.
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“Posso não Concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dize-la”
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